Lesão  axonal  difusa

 
LESÕES  CEREBRAIS  DIFUSAS  respondem pela maior parte das seqüelas crônicas dos TCEs, como perda das funções cerebrais superiores e estado vegetativo.
São importantes as lesões axonais difusas e as lesões hipóxicas.
 

LESÕES  AXONAIS  DIFUSAS

Definição

Correspondem a microrupturas de axônios na substância branca, nos grandes tratos dos hemisférios cerebrais e do corpo caloso, responsáveis pela associação de áreas corticais distantes e interhemisféricas.

Patogênese

Como o cérebro é grande e mole, pode ser facilmente afetado por forças rotacionais abruptas. Estas são consideradas mais importantes que a aceleração ou deceleração translacionais.
Pode-se comparar a situação do cérebro e crânio com a água em um balde. Se rodamos o balde, a água acompanha o movimento, mas com um retardo que será tanto maior quanto mais distante da parede do balde.

O cérebro está solidário ao crânio e move-se com este. Porém, quando o crânio sofre uma rotação brusca, a inércia do cérebro faz com que continue parado por frações de segundo, quando o crânio já está em movimento. Ocorre o oposto se o crânio em movimento é freado subitamente.

Neste caso, as camadas superficiais do cérebro são freadas antes das profundas, produzindo uma deformação intraparenquimatosa chamada cizalhamento. Este causa tração e ruptura de axônios e vasos em várias regiões dos hemisférios cerebrais. São mais vulneráveis os longos tratos que associam áreas corticais distantes (p. ex., fronto-occipital, fronto-temporal e comissuras interhemisféricas). Enquanto um trato pode ser muito lesado pelas forças de cizalhamento, outro perpendicular ao primeiro pode não ser atingido.

Anatomia Patológica

As lesões axonais em sua fase inicial não são visíveis ao exame macroscópico do cérebro, que pode ter aspecto normal.

Microscopicamente, tornam-se perceptíveis após alguns dias na substância branca, como pequenos focos de células microgliais ativadas que se assemelham aos nódulos gliais de origem inflamatória.
Se for feita impregnação pela prata dos axônios, esta pode demonstrar as bolas de retração de Cajal, pequenas formações arredondadas ou ovais nas extremidades dos axônios rotos.
Com o tempo, os axônios rotos degeneram (degeneração walleriana) e a substância branca sofre atrofia, que se reflete na redução de volume do encéfalo e dilatação ex-vacuo dos ventrículos laterais. Os nódulos gliais desaparecem, restando apenas gliose difusa.

Clínica

A conseqüência da lesão axonal difusa é o estado de coma, que pode ser definitivo, constituindo o estado vegetativo (também chamado de coma vigil, síndrome apálico ou mutismo acinético).
Nos pacientes que se recuperam do coma podem restar seqüelas, como demência, espasticidade e ataxia.
 

CONCUSSÃO  CEREBRAL

Concussão cerebral (commotio cerebri), (não confundir com contusão), é a perda imediata da consciência no momento do trauma, mas recuperável em 24 horas ou menos e sem seqüelas.

A concussão acompanha-se de amnésia retrógrada e pós-traumática, isto é, o paciente não se recorda do trauma, dos momentos que o antecederam, nem de eventos imediatamente posteriores. P. ex., a vítima de um acidente automobilístico não se lembra do acidente, nem de ter saído de casa, ou de ser levado ao hospital.

Como a concussão é reversível por definição, os estudos anátomo-patológicos são poucos e as alterações observadas podem não ser responsáveis por ela. Hoje a tendência é considerar a concussão como resultante de um grau leve de lesão axonal difusa. Forças rotacionais bruscas causariam estiramento de axônios e sinapses, suficiente para causar um black out fisiológico, mas não lesões anatômicas permanentes. O mecanismo da amnésia retrógrada continua mal compreendido.

Em animais é difícil provocar concussão experimental, sendo muito estreita a diferença entre um golpe sem conseqüências e um fatal. Isto pode ser atribuído à menor massa do cérebro em relação ao humano, já que as forças de cizalhamento devidas a movimentos rotacionais são diretamente proporcionais à massa. É possível produzir perda reversível da consciência através de rotação brusca da cabeça, o que apóia a hipótese de que a lesão axonal leve seja o mecanismo responsável pela concussão.

LESÕES  HIPÓXICAS  DIFUSAS

O cérebro pode sofrer anóxia em fraturas de costelas, hemotórax, pneumotórax, obstrução das vias aéreas por corpo estranho ou sangue, pneumonia aspirativa, hipotensão sistêmica por choque ou parada cardíaca recuperada, distúrbios estes comuns em politraumatizados. Pode ainda haver espasmos de artérias cerebrais conseqüentes a traumatismo direto ou sangue no espaço subaracnóideo.

As conseqüências se assemelham às já descritas nos distúrbios circulatórios de causa geral, ou seja, necrose de neurônios nas zonas limítrofes entre os territórios arteriais, no hipocampo e no cerebelo. A anóxia também contribue para o edema cerebral que acompanha contusões e hematomas. Lesões hipóxicas, juntamente com as axonais, são responsáveis pelo estado vegetativo resultante do trauma de crânio grave.

EDEMA  CEREBRAL  PÓS-TRAUMÁTICO

1) Edema adjacente a contusões. Corresponde a edema do tipo vasogênico, por lesão direta da barreira hemo-encefálica pelo trauma.

2) O edema difuso de um hemisfério cerebral geralmente é observado após esvaziamento de um hematoma subdural agudo naquele lado. O cérebro expande-se rapidamente, preenche o espaço antes ocupado pelo hematoma e pode herniar-se pelo orifício de craniotomia (hérnia transcalvariana ou fungus cerebri). O fenômeno tem sido atribuído a vasoparalisia, que poderia ser devida à compressão do tecido cerebral pelo hematoma. Neste caso, não se trataria propriamente de edema (no sentido de aumento do conteúdo de água no tecido), mas de uma hiperemia difusa reacional (congestive brain swelling).

3) O edema difuso pós-traumático de ambos os hemisférios cerebrais (detectado por tomografia computadorizada) pode ser diagnosticado por redução simétrica no volume dos ventrículos e das cisternas da base, devida a aumento de volume do encéfalo.  Por tomografia, é impossível diferenciar entre edema cerebral propriamente dito (entrada de água no  tecido) e congestive brain swelling (intensa hiperemia e aumento do fluxo sangüíneo cerebrais por vasoparalisia).

PETÉQUIAS  DISSEMINADAS

Hemorragias puntiformes perivasculares disseminadas pelos hemisférios cerebrais e tronco encefálico são observadas em pacientes que faleceram quase instantaneamente após o trauma. Provavelmente traduzem um grau de lesão cerebral incompatível com a vida.
 

COMPLICAÇÕES  TARDIAS  DOS  TRAUMATISMOS CRANIO-ENCEFÁLICOS

1) Estado vegetativo. Deve-se a lesões difusas permanentes nos hemisférios cerebrais, do tipo lesão axonal difusa e/ou hipóxica. Lesões secundárias no tronco cerebral não parecem ser a causa do estado vegetativo.

Em uma série de 35 casos com sobrevida de um mês ou mais após trauma não-penetrante, em que resultou estado vegetativo, não houve um só caso em que as lesões estivessem confinadas ao tronco cerebral (isto é, sem lesões hemisféricas).

2) Epilepsia pós-traumática. É mais comum após traumas penetrantes (40%) que não-penetrantes (5%) e tem relação com o grau de destruição focal do cérebro. Pacientes que sofreram fraturas deprimidas ou hematomas têm maior risco.

3) Hidrocefalia. A ocorrência de hemorragia subaracnóidea é praticamente constante nos TCEs. A organização da hemorragia causa fibrose das meninges e dificulta o trânsito liquórico, provocando hidrocefalia. Lesões cerebrais difusas de natureza axonal ou hipóxica produzem atrofia cerebral e hidrocefalia ex-vacuo.

4) Síndrome punch-drunk ou dementia pugilistica.
Esta síndrome de demência progressiva e distúrbios neurológicos acomete tardiamente boxeadores, tanto profissionais como amadores (até 20%).

Caracteriza-se por disartria (fala enrolada), marcha ebriosa, perda de memória, alterações da personalidade, ataxia e tremor cerebelares, espasticidade e movimentos extrapiramidais.
O nome em inglês é um trocadilho, pois punch quer dizer tanto soco como ponche (bebida alcoólica de sucos de frutas). Punch-drunk pode ser interpretado como bêbado de ponche ou de socos.

O cérebro apresenta atrofia difusa, dilatação ventricular e fenestração do septo pelúcido. Alterações neurofibrilares semelhantes às da doença de Alzheimer são encontradas no córtex cerebral e no tronco encefálico. Sua patogênese é desconhecida. Pode haver despigmentação da substância negra, devida a perda de neurônios, que responderia pelos sintomas extra-piramidais.


 
Mais sobre este assunto em:  Neuroimagem

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