Hipertensão intracraniana, 
edema cerebral e hérnias

 
HIPERTENSÃO  INTRACRANIANA

Pressão normal do líquido céfalo-raquidiano ou líquor (LCR).

A pressão normal do LCR, medida em decúbito lateral, varia entre 5 e 20 centímetros de água (cmH2O), sendo os valores mais próximos de 10 cmH2O na cisterna magna e de 15 cmH2O no fundo de saco lombar. A partir de 20 cmH2O (15 mmHg) fala-se em hipertensão do LCR ou hipertensão intracraniana (HIC).
Na criança, a capacidade volumétrica da caixa craniana é expansível por não se terem ainda soldado as suturas. O fechamento da fontanela anterior ocorre na metade do segundo ano de vida. No adulto, o crânio é inexpansível, mas o encéfalo pode aumentar de volume focal ou difusamente em condições patológicas.

CAUSAS  DA  HIPERTENSÃO  INTRACRANIANA

A) Lesões expansivas localizadas, como hematomas, abscessos e tumores podem aumentar o volume de um hemisfério cerebral. Geralmente o efeito de massa da lesão é amplificado pelo edema cerebral em torno da mesma.

B) Fatores que atuam difusamente, como anóxia sistêmica ou processos inflamatórios (meningites e encefalites) podem causar edema cerebral difuso e, portanto, aumento global do volume do encéfalo.

Tanto num caso como noutro, a expansão cerebral aumenta a pressão intracraniana. Há uma escassa margem de segurança para evitar a hipertensão, representada pela quantidade de líquor, entre 100 a 150ml no adulto normal. Inicialmente a expansão cerebral é compensada por maior absorção do LCR. Em cérebros atróficos, com ventrículos dilatados e sulcos alargados, esta margem é maior. Esgotada a capacidade de compensação, a pressão intracraniana aumenta rapidamente.
 

CLÍNICA  DA  HIPERTENSÃO  INTRACRANIANA
 

TRÍADE CLÍNICA CLÁSSICA:
CEFALÉIA, VÔMITOS E EDEMA DE PAPILA

A hipertensão intracraniana caracteriza-se basicamente por cefaléia, vômitos e edema de papila.

  • A cefaléia tende a ser holocraniana (envolve todo o crânio) e se deve a compressão de ramos nervosos meníngeos.
  • Os vômitos, em jato, estão relacionados a compressão de centros bulbares.
  • O edema de papila consiste em borramento das margens da papila óptica ao exame oftalmoscópico. Ocorre porque a maior pressão intracraniana é transmitida ao redor dos nervos ópticos pelo manguito de meninges que os envolve, dificultando o retorno venoso. Isto leva inicialmente a uma congestão dos vasos da retina e depois ao edema de papila. Além disso, admite-se também compressão dos axônios do nervo óptico, dificultando o fluxo axonal anterógrado.


Além da tríade clássica, podem associar-se confusão mental ou coma, crises convulsivas e sinais deficitários localizados, de acordo com a área atingida pela lesão, p. ex. hemiplegia, afasia e hemianopsia.

CONSEQÜÊNCIAS  DA  HIPERTENSÃO  INTRACRANIANA

O aumento de volume do encéfalo, difuso ou localizado, tende a causar deslocamento das partes afetadas em relação aos compartimentos intracranianos criados pelas dobras durais: a foice do cérebro e a tenda do cerebelo.  Isto leva a insinuação de linguetas de tecido cerebral em espaços exíguos, com compressão de estruturas vitais.  São as chamadas hérnias intracranianas.
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Hérnias encefálicas devidas à HIC:
• de cíngulo ou supracalosa
• de uncus temporal
• de amígdalas cerebelares
• transcalvariana
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A hérnia de cíngulo é sempre unilateral. Como a hérnia de uncus, decorre do aumento de volume de um hemisfério cerebral. Pode haver deslocamento do giro do cíngulo para o lado oposto, insinuando-se entre a borda livre da foice do cérebro e o corpo caloso. A principal conseqüência é a compressão de uma ou ambas artérias cerebrais anteriores, que acompanham o corpo caloso, causando infarto hemorrágico deste território.

A hérnia de uncus corresponde à passagem do giro parahipocampal, ou de sua extremidade anterior, o uncus, para a fossa posterior através do orifício da tenda do cerebelo, onde se localiza o mesencéfalo.
 A hérnia de uncus é geralmente unilateral e conseqüente ao aumento de volume de um hemisfério cerebral por um hematoma, infarto, tumor, abscesso ou traumatismo. O edema em torno da lesão potencia grandemente a expansão do hemisfério e ajuda a pressionar o uncus para baixo, entre a margem livre da tenda do cerebelo e o mesencéfalo.

EFEITOS DA HÉRNIA DE UNCUS:

 a) Compressão do nervo oculomotor (III), levando a midríase unilateral, grave sinal indicativo de sofrimento mesencefálico.

 b) Distorção do mesencéfalo no sentido látero-lateral, com alongamento do eixo ântero-posterior. O alongamento do mesencéfalo leva a ruptura de vasos que cursam em direção ântero-posterior, com hemorragias na linha média do mesencéfalo, chamadas hemorragias de Duret. Estas propagam-se à ponte e ao diencéfalo e são sempre fatais.

c) Mais raramente, o mesencéfalo deslocado pode atingir a tenda do cerebelo do lado oposto, sofrendo secção da base do pedúnculo cerebral. Como aí passa o trato piramidal, ocorre hemiplegia ipsilateral à lesão cerebral (falso sinal de localização).  Notar que a hemiplegia é ipsilateral porque o trato piramidal só cruza para o lado oposto na decussação das pirâmides, que ocorre abaixo do mesencéfalo, a nível do bulbo.

d) Compressão da artéria cerebral posterior, que circunda o mesencéfalo, levando a infarto no seu território. Estes infartos são chamados infartos calcarinos por incluir a área visual primária (área 17 de Brodmann, na fissura calcarina occipital), e são freqüentemente hemorrágicos, pois a compressão da artéria pode ser insuficiente para interromper completamente o fluxo sanguíneo. O infarto agrava o edema cerebral do hemisfério já comprometido por outra lesão.
 A artéria cerebral posterior, derivada da bifurcação da A. basilar, cursa entre o mesencéfalo e o giro parahipocampal, sendo facilmente comprimida no caso de uma hérnia de uncus.

A hérnia de amígdalas é a entrada das amígdalas cerebelares no foramen magno, um espaço só ocupado pela medula cervical. Decorre do aumento de volume de um ou ambos hemisférios cerebrais, e deslocamento caudal do tronco cerebral e cerebelo.
 A hérnia de amígdalas é bilateral. As amígdalas tomam forma cônica e comprimem o bulbo, causando disfunção geralmente irreversível do centro respiratório. Isto leva a parada respiratória. O tecido cerebelar herniado pode sofrer necrose por compressão vascular. Lesões expansivas no cerebelo podem também causar hérnia de amígdalas.

A hérnia transcalvariana ocorre para fora do crânio, geralmente através de orifício de craniotomia.
 

MORTE  CEREBRAL  E  CÉREBRO  DE  RESPIRADOR

 A pressão intracraniana pode, em casos muito graves, superar a própria pressão arterial sistólica. Quando isto ocorre, a circulação cerebral interrompe-se e sobrevém a morte cerebral.
 

  • O eletroencefalograma (EEG) torna-se isoelétrico
  • Os reflexos do tronco cerebral estão abolidos, embora os espinais possam permanecer.
  • A injeção de contraste radiológico na A. carótida interna não resulta em preenchimento dos vasos cerebrais.


Esses pacientes deixam de respirar mas, se a respiração for mantida por aparelhos, os batimentos cardíacos podem continuar indefinidamente. O cérebro está morto e sofre autólise in vivo:

  • A cor torna-se difusamente arroxeada.
  • Há perda da distinção entre substância branca e cinzenta.
  • A consistência torna-se muito mole, até semifluida, lembrando pasta dental.
  • O processo é mais intenso no cerebelo, onde a camada granulosa autolisa rapidamente e se destaca da camada molecular.
  • Fragmentos de tecido cerebelar necrótico podem ser encontrados no espaço subaracnóideo espinal até o nível lombar, propelidos pela pressão intracraniana.


À autólise in vivo do encéfalo dá-se o nome de cérebro de respirador, pois é a manutenção artificial da vida que a possibilita. Esses cérebros não endurecem com a fixação e seu exame histológico é precário devido à intensa autólise.

EDEMA  CEREBRAL

Definição.   É um aumento na quantidade de água no tecido cerebral causada por lesões focais (tumores, abscessos, hematomas) ou difusas (anóxia, meningites, encefalites, certas intoxicações), com conseqüente aumento de volume do encéfalo. Este incremento adiciona-se ao já provocado pela lesão primária, elevando a hipertensão intracraniana e propiciando as hérnias.

TIPOS  DE  EDEMA  CEREBRAL:   vasogênico e  citotóxico.
O edema vasogênico é o mais comum. Decorre de disfunção da barreira hemoencefálica em torno de uma lesão, causando extravasamento de água, eletrólitos e proteínas, que se acumulam no espaço extracelular da substância branca. É o tipo de edema que se desenvolve ao redor de tumores, abscessos, infartos, hematomas e contusões.

O edema citotóxico é menos freqüente e pode resultar de anóxia difusa, como a produzida por parada cardíaca. A falta de ATP leva à falência da bomba de sódio da membrana celular e acúmulo de água intracelular, mais acentuado na substância cinzenta. Os astrócitos são mais atingidos e seus prolongamentos sofrem tumefação, o que, em HE, dá aspecto espumoso ao neurópilo (o tecido entre os corpos celulares dos neurônios).
 
 

BARREIRA  HEMOENCEFÁLICA

A barreira hemoencefálica normal tem como substrato anatômico as células endoteliais dos capilares cerebrais, que são presas entre si por complexas junções oclusivas ou tight junctions e possuem poucas vesículas pinocitóticas. Quando há um processo patológico nas proximidades, escapa líquido do leito capilar, discutindo-se se isto se dá por abertura das tight junctions ou por aumento na atividade pinocitótica das células endoteliais. O líquido de edema infiltra difusamente a substância branca, acumulando-se no espaço extracelular e dissociando os axônios.

Aspecto macroscópico do cérebro com edema

  • Principal critério diagnóstico:  A convexidade dos hemisférios cerebrais está aplanada por compressão contra a superfície lisa do crânio, produzindo aplanamento dos giros e apagamento dos sulcos.
  • Aumento de peso e volume.
  • Hérnias de um ou mais tipos.
  • Ao corte,  aumento de volume de um ou ambos hemisférios.
  • Ventrículos reduzidos de volume.
  • O aspecto das substâncias branca e cinzenta difere pouco do normal, mas pode haver borramento do limite entre ambas.
  • Em edemas de longa duração, como em volta de abscessos cerebrais crônicos, a substância branca pode ficar acinzentada ou esverdeada.


Aspecto microscópico.

a) Edema da substância branca:

  • textura mais frouxa do tecido, podendo-se às vezes individualizar axônios.
  • se a duração do edema é de semanas ou meses, pode haver degeneração dos axônios e proliferação de astrócitos (gliose).


b) Edema da substância cinzenta:

  • aspecto microvacuolado ou espumoso do neurópilo,
  • espaços vazios perineuroniais e perivasculares, devidos à entrada de água nos prolongamentos astrocitários, (só visível em microscopia eletronica).


Microscopia eletrônica.

a) Edema na substância branca :  aumento do espaço extracelular, com afastamento dos axônios entre si.

b) Edema da substância cinzenta : os prolongamentos dos astrócitos ficam distendidos  e eletrolucentes, semelhantes a grandes bolhas, devido à entrada de água. Não há dilatação do espaço extracelular.
 

  • É mais fácil fazer o diagnóstico de edema cerebral na macro-  do que na microscopia. 
  • Artefatos de processamento histológico podem simular os aspectos descritos no edema.

Clinicamente, o edema cerebral causa hipertensão intracraniana e agrava os sinais e sintomas da doença básica.


 
Mais sobre estes assuntos em:
Peças: edema, hérnias
Banco de Imagens:edema cerebral, hérnias.
hérnia de uncus hemorragia de Duret hérnia de amígdalas hérnia de cíngulo
Neuroimagem:
Edema cerebral. Todos processos patológicos que expandem o volume do cérebro de forma localizada ou generalizada podem cursar com edema cerebral e hérnias.  Notar que, em neuroimagem, não é possível distinguir entre edema cerebral e intumescimento por vasoplegia ('brain swelling').  A título de exemplo, examinar (os números referem-se à página na coleção de Neuroimagem):
Patologia vascular:  infartos isquêmicos: 24, 6;  hemorragia 2;  aneurisma 5.
Trauma: fratura 4; pneumoencéfalo 3, contusão 3, hematoma subdural agudo 2,
brain swelling 1, ferimento por arma de fogo (FAF) 2
Inflamações:  encefalite herpética 1, meningite bacteriana 1, abscesso cerebral 1
toxoplasmose 6.
Neoplasias:  astrocitoma difuso 3,  glioblastoma 2, 5; metástase 2, 16
Vascular Trauma Inflamações Neoplasias
Hérnias. Para alguns exemplos,  consultar:
Hérnia de uncus:  infarto hemorrágico 3;  encefalite herpética 2;  astrocitoma difuso 2.
Hérnia de amígdalas:  astrocitoma pilocítico 1;  meduloblastoma 2;  metástases 10, 15;  schwannoma 1.
Hérnia de cíngulo:  abscesso cerebral 1;  toxoplasmose 1;  astrocitoma difuso 2;  glioblastoma 5, 6;  metástase 2, 17
uncus amígdalas cíngulo

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